A promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 136, em setembro de 2025, representa um marco significativo e complexo na evolução do regime constitucional de pagamentos devidos pela Fazenda Pública em virtude de decisões judiciais transitadas em julgado – os chamados precatórios. Após anos de sucessivas modificações e regimes especiais, a nova emenda busca, primordialmente, conferir sustentabilidade fiscal aos entes subnacionais, especialmente aos Municípios, ao mesmo tempo em que reestrutura a dinâmica de atualização dos créditos e estabelece mecanismos de regularização de passivos previdenciários.
O cerne da EC 136/2025 reside na busca pelo equilíbrio entre o direito do credor à satisfação do seu crédito e a imperiosa necessidade de o Poder Público manter a higidez de suas contas e a continuidade dos serviços essenciais. Para os Municípios, as alterações introduzidas são profundas e exigem imediata adaptação orçamentária, jurídica e administrativa.
1. O Escalonamento do Pagamento Municipal Vinculado à RCL
A principal inovação da EC 136/2025 para os Municípios é a instituição de um limite de despesa anual com o pagamento de precatórios, o qual é diretamente proporcional ao estoque da dívida acumulada em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) do ente federado no exercício anterior.
Essa sistemática, detalhada no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), cria uma tabela escalonada que visa modular a pressão financeira sobre as contas municipais, permitindo um planejamento de longo prazo. O percentual da RCL a ser obrigatoriamente destinado ao pagamento de precatórios varia da seguinte forma:
| Estoque de Precatórios em Atraso (em % da RCL anterior) | Limite Anual de Pagamento (em % da RCL anterior) |
| Até 15% | 1,0% |
| Superior a 15% até 25% | 1,5% |
| Superior a 25% até 35% | 2,0% |
| Superior a 35% até 45% | 2,5% |
| Superior a 45% até 55% | 3,0% |
| Superior a 55% até 65% | 3,5% |
| Superior a 65% até 75% | 4,0% |
| Superior a 75% até 85% | 4,5% |
| Superior a 85% | 5,0% |
Essa vinculação direta entre o passivo judicial e a RCL do município estabelece uma responsabilidade fiscal clara: quanto maior o estoque de precatórios em atraso, maior será o esforço orçamentário compulsório, limitando, contudo, o comprometimento a um máximo de 5% da RCL. A medida serve como um mecanismo de moratória controlada, buscando evitar o colapso financeiro de municípios altamente endividados.
O não cumprimento do limite estabelecido implica graves consequências jurídicas e fiscais, como a possibilidade de sequestro de valores pelo Tribunal de Justiça, a vedação ao recebimento de transferências voluntárias da União e, notavelmente, a responsabilização do gestor por improbidade fiscal e administrativa.
2. Alterações na Atualização Monetária e Juros
A EC 136/2025 promoveu uma significativa alteração nos critérios de correção monetária e juros de mora aplicáveis aos precatórios, substituindo o regime anterior (que utilizava a Selic) por uma fórmula combinada:
- Correção Monetária: A atualização passa a ser realizada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
- Juros de Mora: Ficam fixados em 2% ao ano, acrescidos ao IPCA.
- Teto Limitador: A soma do IPCA com os juros de 2% ao ano não poderá ultrapassar a taxa Selic acumulada no período. Caso a Selic seja inferior a essa soma, ela prevalecerá como índice de correção.
Essa mudança busca conferir maior previsibilidade aos indexadores, mas mantém a taxa Selic como referência final, mitigando possíveis distorções, especialmente em períodos de alta inflação. Para os créditos de natureza tributária, contudo, a atualização monetária e os juros continuam vinculados, de forma exclusiva, à taxa Selic, conforme jurisprudência já consolidada e a isonomia com a Fazenda Pública no pagamento de seus próprios créditos.
3. Antecipação do Prazo para Inclusão Orçamentária
Outra modificação de caráter prático e de grande impacto administrativo é a antecipação do prazo-limite para a expedição e apresentação de precatórios. O prazo para inclusão na proposta orçamentária do exercício subsequente foi alterado de 2 de abril para 1º de fevereiro de cada ano.
Essa antecipação comprime o lapso temporal para que os Tribunais e o Poder Executivo efetuem a consolidação dos débitos, exigindo uma revisão imediata dos fluxos de trabalho e um planejamento orçamentário mais célere por parte dos Municípios, a fim de garantir que os precatórios expedidos sejam devidamente incluídos e pagos no exercício financeiro correto.
4. Parcelamento Excepcional de Dívidas Previdenciárias
Em um movimento para desafogar as finanças municipais e estaduais de outro passivo crítico, a EC 136/2025 autoriza a celebração de parcelamentos excepcionais de débitos previdenciários dos entes federativos, tanto com seus Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) quanto com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
- Prazo Máximo: Os débitos vencidos até 31 de agosto de 2025 podem ser renegociados em até 300 parcelas mensais (25 anos).
- Condições de Adesão: A adesão a esse parcelamento está condicionada à comprovação da regularidade previdenciária do ente e à adoção de reformas na legislação local que visem ao equilíbrio atuarial dos seus regimes próprios.
Essa medida oferece um alívio fiscal de longo prazo, permitindo que os Municípios substituam a urgência das dívidas previdenciárias vencidas por um cronograma de pagamento mais alongado e previsível, contribuindo diretamente para a saúde financeira do caixa.
Conclusão
A Emenda Constitucional nº 136/2025 é um instrumento multifacetado que reestrutura o regime de precatórios, com clara ênfase na sustentabilidade fiscal dos Municípios. Ao estabelecer limites de pagamento vinculados à RCL, a emenda constitucionaliza uma abordagem de responsabilidade fiscal compensada, na qual o esforço de pagamento é modulado pela capacidade financeira do ente. As modificações na correção monetária e a oportunidade de parcelamento de dívidas previdenciárias somam-se a essa estratégia, consolidando a EC 136/2025 como uma norma de impacto duradouro na gestão das finanças públicas subnacionais e no direito fundamental dos credores à satisfação de seus créditos. O desafio, agora, reside na efetiva regulamentação e na disciplina fiscal dos gestores para que o novo regime não se torne apenas mais uma moratória, mas sim um caminho concreto para o saneamento das dívidas judiciais.
João Eugenio Oliveira, assessor jurídico da Amepar